domingo, 29 de março de 2009

A paz que eu não quero...


Dia desses, estava voltando com Sara Paixão - também conhecida como Sambeira -, de um sambinha na Tijuca, quando atravessamos um sinal e vimos um moleque - devia ter uns 15 ou 16 anos -, ir para a faixa de pedestres, levantar a camisa - para mostrar que não estava armado -, e se dirigir aos vidros dos carros para pedir dinheiro.

Na hora, comentei que achava aquilo um dos ápices da humilhação humana. O cara ter que estar ali, pedindo e ainda se desnudar para mostrar que não está armado para assaltar. Que era só mais um pobre, flagelado, precisando de ajuda mesmo.

Enfim... mal terminei a fala e percebo que o guri estava na mesma calçada em que a gente. Na mesma hora falei para a Sara:

- Vamos para a beirada da calçada porque tenho um discurso social, mas também tenho medo.

Fiquei pensando muito no que tinha vivido e falado. Não fui hipócrita. Procuro cultivar em mim o humanismo, o amor ao próximo e um exercício constante de não-preconceito.

Mas já fui assaltada algumas vezes e, por mais que eu tentasse negar, fiquei traumatizada, sim. Até hoje não posso ouvir ninguém falar mais alto no ônibus que já penso que é o anúncio de assalto. Às vezes o cara só que pedir para o motorista parar no próximo ponto, mas o vocativo “motorista!” dito em alto e bom som tem o poder de liberar uma descarga elétrica no meu corpo, seguida de taquicardia. Enfim, estou tentando controlar..rs

Tudo isso para apresentar a vocês o dilema no qual me encontro agora: como continuar praticando os meus valores vivendo numa cidade tão louca e partida como o Rio de Janeiro? Não quero sentir medo do neguinho magrelo que está andando na calçada.

Talvez ele seja só um guri que esta fodido na vida, tentando se virar como pode, talvez esteja só passando, nem aí para a minha existência... talvez seja gente boa à beça e até frequente o mesmo samba que eu... sei lá... Tanta coisa normal e uma coisa ruim, que acontece tanto, tanto, tanto que a gente passa a acreditar só nela.

Nesse dia, não aconteceu nada demais... O guri passou, atravessamos a rua e seguimos os nossos caminhos. Mas ficou esse nó na garganta, esse sentimento de que estamos perdendo a batalha para o medo e trocando o que temos de melhor em nós por uma falsa proteção...

3 comentários:

Sambeira disse...

Dividi aquele susto com você e concordo, dá uma deprê ver o quanto estamos noiadas....
hj a materia de capa do JB fala de que é preciso ter coração forte para resistir aos sustos que a violência na cidade provoca no carioca. ou seja, coração bom, sorte, corpo fechado e sei lá mais o que...

Eliane Santos disse...

Acho que preciso de mais uma dose de "sei lá mais o quê".. Tá foda, amiga...

Bibi disse...

Acho que as pessoas, em geral, no Rio vivem sobressaltadas. É um estado de vigilância e estresse constante. Isso vai ter um custo caro, mais para frente, em saúde. Isso só para começar o discurso, pq a parte social vcs pegaram bem.
Não tem jeito. Não tem fórmula! É um trabalho longo, caro e desgastante. Bogotá e NY conseguiram diminuir seus índices de violência e criminalidade. Será q a gente consegue?